Segue nota do Centro Acadêmico de Pedagogia CAAT – Gestão Walquíria Afonso Ribeiro da UFPR.
Assembleia virtual do CAAT: gritar democracia para enterrar a democracia
A nação atravessa uma crise politica, moral e sanitária, sem precedentes, com seus, subestimados, quase 250 mil mortos, fruto da displicência organizada, da incapacidade orquestrada pelos generais das FA e Bolsonaro, para manter o povo submisso, as ruas vazias e os cemitérios cheios. A isto se têm somado inúmeras investidas por enterrar todo resquício de autonomia, gratuidade e democracia na Universidade Pública, uma verdadeira cruzada por destruí-la de vez. Processo já antigo, perpetrado por todos os governos de plantão, mas acentuado mil vezes com a gerência do boneco de ventríloquo presidencial, títere dos generais, que usa da situação da pandemia para encobrir seus planos anti-povo e anti-educação, cujo o golpe derradeiro reside na tentativa de imposição da EaD, como substitutivo do ensino presencial.[1]
No plano teórico e ideológico, o obscurantismo declarado da extrema-direita militar, anti-comunista e antipovo até o tutano, que nega de toda forma a evidência científica e propugna teorias da conspiração para evitar que o povo tenha acesso à vacina, que fecha fábricas de oxigênio e abre fábricas de cloroquina, que sabota os parcos meios de proteção disponíveis ao povo, como o uso de máscaras, se complementa com a outra face da moeda, obscurantismo de outro matiz, pós-moderno, que igualmente nega a ciência, chegando até mesmo a negar existência de leis objetivas que regem a natureza, a sociedade e o pensamento, assim como a possibilidade de conhecê-las, que visa arrefecer as contradições que emergem do plano político e a luta combativa e radicalizada, propugnando a fragmentação da luta política, o individualismo como princípio, jogando massas contra massas ao buscar transformar diferenças secundárias em principais. Pautase através de modismos acadêmicos, como a redução da realidade a um problema de linguagem, ou o “fim da história”, “fim das grandes narrativas”, “fim dos estados-nação”, indivíduos atomizados entre si, “globalização”, exaltação das “novas tecnologias” como meio para o “empoderamento”, para a “democracia”, em perfeita consonância com os grandes meios de comunicação. Daí que exaltem o uso das redes sociais como meio de debate, formação e ativismo político. Daí que corroborem com o discurso tão em voga na rede Globo de “cuidar de si”, de salvar a si mesmo, a política do avestruz, pouco se importando com ou sequer concebendo a impossibilidade completa de qualquer isolamento nas favelas, bairros pobres, ônibus e mesmo fábricas em nosso país. Assim como a extrema-direita, com suas correntes e grupos de Whatsapp condenam toda e qualquer luta combativa, através do alarmismo. Aos que verdadeiramente lutam, rotulam como irresponsáveis, autoritários, ou até mesmo, criminosos, terroristas. Concebem que não se pode fazer a luta sem sua permissão e com sua política de “isolamento total” se unem ao bolsonarismo ao justificar na prática e perante o povo o corte de verbas das universidades e escolas fechadas, enquanto proliferam-se os bares abertos e festas universitárias clandestinas. Como faces da mesma moeda, ambos os tipos de obscurantismo precisam um do outro para sobreviver, atacam-se entre si, mas são tão opostos como os polos de um mesmo ímã. Geram-se e se fortalecem reciprocamente. Igualmente, levantam-se com xingamentos contra quem ouse questionar suas concepções.
No plano político, enquanto uns falam em fechar o STF com cabos e soldados e parlamentares mordem e assopram buscando sobrevida, outros se contentam com a surrada tática do desgaste eleitoral do governo de turno, preparando terreno para 2022, sonhando com novo fracasso eleitoral, ainda maior que os de 2018 e 2020, ou quem sabe um impeachment para se livrar da marionete e dar o chicote ao general Mourão, o mesmo que discursara em 2017 em defesa de intervenção militar caso a “Justiça” não agisse contra a “corrupção”. Nas universidades a prática desses grupos tem sido a da mais covarde capitulação frente a avalanche de ataques, representada em particular pela EaD e complementada pelo sucateamento, corte de verbas, intervenção na escolha de Reitores, realização dos vestibulares em meio à pandemia, com algumas tiradas demagógicas de quando em quando.
É inevitável, portanto, para estes últimos, que se renegue a luta combativa [2] , que esta lhes encha de ódio, que se propugne o isolamento total, o tempo cuidar de si mesmo e de sua família, a autopreservação. Ao passo que são propostos twittaços, e quanto ao ENEM não se mova uma palha, apenas decidindo por fazer uma hashtag e uma live crítica, uma nota de repúdio qualquer. Ou quanto à vacina, nenhuma mobilização nos bairros pobres, nenhuma manifestação, nada, quiçá um post ou um tweet. Afinal, o objetivo não é defender o direito dos estudantes secundaristas e universitários de estudar e aprender e dos professores de ensinar, não é defender as Universidades e Escolas públicas, a vida do povo, exigir meios de proteção, testes, a vacina efetivamente. O objetivo, mais singelo, consiste em buscar desgastar o governo objetivando 2022, pois são incapazes de qualquer mobilização efetiva.
É nesse contexto geral que se encontra a discussão: aprovar uma gestão interina em uma reunião online como se tivesse sido eleita, ou manter a última gestão legitimamente eleita do Centro Acadêmico até o retorno das aulas presenciais. Nós, do CAAT, não temos nenhuma ilusão quanto à possibilidade da utilização das redes sociais como meio de mobilização estudantil, de luta, de promoção da “democracia”, ou como meio para transformar a realidade. Não caímos no modismo fácil, mas falso, de que a luta política é possível através de um vulgar ativismo digital de influencers críticos ou intelectuais de parágrafo e meio, de que a discussão democrática, a luta de ideias e de posições pode ser feita a partir de uma tela.
Talvez algum cretino eleitoreiro acredite realmente nisso, que a propaganda eleitoral com algum número de cinco dígitos em uma tela de televisão, ou num compartilhamento em redes sociais, seja realmente a “festa da democracia”. Talvez seja capaz de passar meses denunciando quem se mobiliza por defender os direitos do povo como se fosse espalhador do vírus, para logo conclamar à contaminação massiva diante das urnas eletrônicas; talvez seja capaz de festejar a realização dos vestibulares como se em algo fossem distintos do ENEM, obrigando o futuro calouro a aceitar como dado o ensino não tido e a se arriscar em aglomerações, em todos esses casos, sem quaisquer medidas sanitárias efetivas ou suficientes. Nós, como dissemos, temos outra concepção. Por realmente dar valor ao que significa o Centro Acadêmico, tendo sido árdua a luta histórica nele ocorrida, em que se derramou sangue de muitos estudantes, como de Walquíria Afonso Costa, acreditamos que não se pode esvaziar o significado do que é o Centro Acadêmico como se pouco importasse seu processo de verdadeira legitimação, como se fosse mera entidade burocrática destinada a fazer divulgações em redes sociais e escrever notas, a cumprir tabela e aceitar silenciosamente as decisões do DCE e da Reitoria, no intuito de “não causar tumultos”. E por fim esperar o retorno as aulas para fazer qualquer coisa, seja lá quando isto for, visto que a faixa etária da maioria dos universitários nem mesmo será vacinada.
Justamente por conta da necessidade da luta de ideias, de posições e de concepções, o processo de aprendizagem, de forma livre e sem constrangimentos, de forma franca, viva e dinâmica, somente pode ser feito na sala de aula, nos grupos de pesquisa e principalmente na aplicação da teoria à prática, em projetos de extensão, estágios e outros meios – desenvolvendo assim o conhecimento e a ciência no processo de transformação da realidade. Pelo mesmo motivo, o debate democrático, a luta política, a possibilidade de eleições com uma intervenção efetiva, ativa e participativa do conjunto dos estudantes do curso – sem reduzi-los a meros números para cumprir formalidades burocráticas – não podem ser feitos de forma remota em uma reunião virtual. Tal expediente só serviria para conformar nova gestão sem o devido processo eleitoral, através de uma mobilização artificial e efêmera, reduzindo o Centro Acadêmico a um grupo de Whatsapp, de Facebook. Seria, portanto, uma forma antidemocrática com aparência de democrática de conformar uma nova gestão sob nome de interina. A isso nos opomos veementemente. Não aceitaremos a imposição de uma gestão não eleita sob qualquer título e tampouco consideramos democrática ou legítima uma eleição pautada por compartilhamento de correntes de Whatsapp. Somado a isso, defendemos a autonomia dos Centros Acadêmicos perante as diretorias das universidades, fazendo jus ao extenso histórico de lutas estudantis de nosso povo, notavelmente o sangue derramado de inúmeros estudantes no Regime Militar em defesa desse direito de organização e associação de forma independente, sem qualquer tipo de tutela.
Nós nos colocamos pela luta ativa. Não temos medido esforços por manter a Universidade Pública em estreita ligação com o povo, tendo nos colocado na linha de frente em Comitês Sanitários e de Saúde popular, indo aos bairros pobres em aulas de reforço e, principalmente, em manifestações e mobilizações combativas em defesa de uma Universidade a serviço do povo – em que pese todas as sabotagens –, tomando como o exemplo o que muitos outros têm feito no país inteiro, inclusive em outros cursos da própria UFPR. Não nos dobramos perante dificuldade e muito menos burocracia alguma. Nossa intervenção é com o pé no chão, no dia a dia. Por isso, não reconhecemos a “assembleia virtual” realizada para indicar uma nova gestão, sem o devido processo eleitoral e de luta de ideias e de concepções, que não pode ser feito através de gritaria em redes sociais.
Curitiba, 21 de fevereiro de 2021,
Centro Acadêmico Anísio Teixeira – Gestão Walquíria Afonso Costa.
[1] Concluindo, assim, o projeto que data desde o Consenso de Washington de 1989 e ao qual concorreram todos os gerenciamentos presidenciais e estaduais desde então. Como bem elucidou o Centro Acadêmico de Estudos da Química da Unicamp em meados do ano passado (ver manifesto divulgado em exnepe.org: https://exnepeblog.files.wordpress.com/2020/07/manifesto-do-caeq-a-tragc3a9dia-anunciada-do-ead.pdf)
[2] E. g., manifestações presenciais que ocorreram internacionalmente durante a pandemia, em especial a partir assassinato de George Floyd; ou a luta dos estudantes de pedagogia contra a imposição da EaD, em especial com a realização do FoNEPe semipresencial, EPEPe e ENEPe presenciais, aulas de reforço em bairros de periferia, manifestação de rua pelo cancelamento do ano letivo, adiamento do ENEM e reabertura das escolas com medidas sanitárias, em todos esses casos sem sequer um contaminado. No caso do ENEPe, com gente de todos os cantos do país e sequer um contaminado e sem qualquer apoio do magnífico Reitor. Teria este ficado com medo de não ser nomeado por Bolsonaro caso apoiasse a luta combativa estudantil? Seria a recolocação da estátua de Suplicy de Lacerda um agradecimento ou algum tipo de inspiração?